Ateliês e Vitralistas

        Ao longo das investigações acerca da presença de vitrais no contexto brasileiro, percebe-se o destaque de certas Casas, maneira como eram nomeados os diferentes ateliês para a produção de vitrais, além de importantes personalidades artísticas que se fizeram por meio da arte do vidro. Um estudo aprofundado sobre as origens de tais nomes mostrou-se, assim, fundamental para a compreensão histórica da importação da técnica no contexto artístico-arquitetônico do Brasil, visto que muito do patrimônio nacional tem se após a imigração e europeus, principalmente alemães e italianos.


CÉSAR ALEXANDRE FORMENTI

        Nascido em Ferrara, na Itália, Formenti foi um vitralista, artesão qualificado, e herdeiro da tradição gótica. Aos nove anos iniciou seus estudos de pintura e, aos 15, conquistou um prêmio para viajar por um ano pelos principais centros culturais da Itália. Em 1890 com 17 anos, se instala inicialmente em Araras, São Paulo, chegando a morar, posteriormente, na capital paulista, onde trabalhou em obras de Ramos de Azevedo como vitralista e mosaicista. Porém, foi no Rio de Janeiro que, juntamente com seu filho Gastão Formenti, manteve um ateliê de fabricação de vitrais e de decorações, sobretudo em estilo art nouveau. Neste estilo, realizou diversos trabalhos para residências, prédios civis e particulares e templos religiosos.

        Seu trabalho para a ornamentação das igrejas recebeu influências estilísticas variadas, dependendo dos repertórios e dos temas encomendados para cada templo. ​​Segundo pesquisas, César teve sua iniciação artística na Itália na Academia de Bologna. No Brasil, participou de várias exposições, tendo recebido, em 1908, o Grande Prêmio por vitral decorativo do Pavilhão da Bahia, em exposição comemorativa ao Centenário da Abertura dos Portos e, em 1930, Menção Honrosa no Salão Nacional de Belas Artes.

Propaganda  do  ateliê  Formenti  no  Almanak  Laemmert para o ano de 1910. 

        As informações sobre César A. Formenti são escassas e os dados disponíveis sobre sua trajetória também são incertos, encontrando, principalmente, listas de suas obras. Tal carência de estudos a seu respeito contribuiu para que o artista fosse pouco estudado pelos historiadores da arte.


MARIANNE PERETTI

        Marie Anne Antoinette Hélène Peretti, mais conhecida como Marianne Peretti, é uma artista plástica, escultora, vitralista e ilustradora, franco-brasileira considerada como um dos nomes mais importantes do vitralismo brasileiro, sendo a única mulher a integrar a equipe de artistas da construção da Catedral de Brasília. Nascida em Paris em 1927, ingressou, aos 15 anos, na École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs (Ensad), na França, onde estudou desenho e pintura. Posteriormente, realizou cursos livres na Académie de la Grande Chaumière e, em 1952, apresentou uma exposição individual com desenhos e guaches na Galerie Mirador, Paris.

        Mudou-se para o Brasil no ano de 1953, quando seu principal trabalho era a elaboração de vitrines em São Paulo, o que, segundo a própria artista, proporcionou-lhe o domínio de grandes dimensões espaciais. Em 1959, participou da 5ª Bienal de São Paulo e foi premiada, 6 anos depois, na 8ª Bienal, pela capa do livro As Palavras (1964), do filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905 - 1980). 

        O seu primeiro contato profissional com os vitrais surgiu com a solicitação de um arquiteto francês em decorrência de uma encomenda para a sala do restaurante da Escola de Eletricidade, em Paris, que deveria ser inteiramente iluminada por trás com um vitral se encaixando perfeitamente. Até o momento, este meio de expressão não era admirado por Peretti, que o considerava como “uma coisa morta, sem expressão, que tinha sido muito bonito nos séculos XI e XII, mas que depois havia decaído.” 

        Posteriormente, foi colaborando com a arquiteta Janete Costa, a partir de 1965, que Peretti, ao produzir pequenas peças, murais e esculturas modernas para compor o interior de apartamentos decorados por Costa, se interessou pelo vidro. A partir daí, o arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer tomou conhecimento de seu trabalho e a convidou para integrar a equipe de artistas locais na construção das edificações em Brasília, onde encontra-se a grande maioria de seus vitrais. Ao longo de sua carreira, Marianne realizou mais de 20 trabalhos com o arquiteto, dentre eles a elaboração do painel de vidro do Palácio do Jaburu, a reforma da Catedral Metropolitana de Brasília, o painel na fachada do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e o vitral no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, todos em Brasília.

        Além disso, a artista também executou esculturas e vitrais em residências e instituições privadas, principalmente em Recife, onde residia entre as décadas de 1960 e 1980. Seus trabalhos encontram-se principalmente no Ceará, Alagoas, Rio de Janeiro, Itália e França. Com os vitrais, a artista confronta os preceitos da arquitetura modernista do século XX que zelam pela autonomia estética dos meios construtivos e alegam que a integração de esculturas, pinturas e murais com as obras arquitetônicas não tem resultados convincentes. 


CASA CONRADO

        A história do vitral brasileiro se inicia no século XIX com a chegada ao Brasil do artesão Conrado Sorgenicht, vindo de Essen, região católica ao norte da Alemanha repleta de imensas catedrais góticas. Fugindo da guerra franco-prussiana, Sorgenicht migrou-se em 1764 com esposa e quatro filhos para Cananéia, litoral de São Paulo, onde foi surpreendido pela brilhante luminosidade dos trópicos, conforme descreveu em cartas e escritos pessoais. Seu encantamento pelo sol, que tornava as cores do vidro ainda mais intensas, fazia crescer o seu desejo de trazer a arte do vitral ao Brasil. 

        Instalado posteriormente na capital paulista, fundou, então, o ateliê Casa Conrado, trabalhando inicialmente com pinturas de paredes, os chamados fingimentos, letreiros, imitações de madeira e faixas decorativas e, em 1888, começou a criar, também, vitrais. Seguiram-se três gerações de vitralistas, Conrado Sorgenicht pai, filho e neto, e em 100 anos de trabalho, estima-se que foram criados mais de 600 conjuntos de vitrais no país todo, a maioria localizada no estado de São Paulo.

        Ateliê pioneiro na fabricação do vitral no Brasil, a Casa Conrado vivenciou dois períodos particularmente gloriosos, momento em que foram feitos os vitrais mais significativos. O primeiro período, de 1920 a 1935, quando o ateliê era coordenado por Conrado Sorgenicht (filho), que assumira a coordenação com a morte do pai em 1901 e fez com que a Casa Conrado crescesse ainda mais ao realizar parcerias com arquitetos e engenheiros responsáveis por moldar o crescimento da cidade de São Paulo, e o segundo, de 1950 a 1965, época áurea de Conrado Sorgenicht (neto). O ateliê Casa Conrado segue a longa tradição medieval de produção de vitrais, com poucas alterações nos métodos originais.

Cartões de autoria da Casa Conrado.

Selo de autenticidade presente no cartão da Casa Conrado.

Propagandas da Casa Conrado divulgadas na revista especializada Architectura no Brasil de junho de 1926.


CASA GENTA

        A Casa Genta, o maior ateliê do Estado do Rio Grande do Sul, foi fundada em 1940 por Antônio Genta, descendente de italianos nascido em Montevideo em 1879. Seu pai, Giuseppe Genta, transmitiu para ele e seu irmão Miguel os ensinamentos da arte do vidro trazidos de Gênova e Altaria, cidade natal do pai, na Itália. Antônio, já residindo em Porto Alegre, começou a trabalhar com vidros em uma pequena oficina em meados de 1908, e inicialmente teve como sócio seu irmão. Nos primeiros anos, enquanto Antônio administrava os negócios, Miguel viajava à Europa em busca de novas técnicas, máquinas, novidades e profissionais qualificados para trazer ao Brasil. 

        Em 20 de julho de 1923, um contrato social foi assinado e incorporou-se à sociedade Helmuth Schmidt Filho. Em 1946, os sócios da empresa eram Miguel Aníbal Genta, Helmuth Schmidt Filho, Marcelo Pascoal Genta e Waldemar Ruschel. Após o falecimento dos fundadores - Antônio Genta em 1943, Helmuth Schmidt Filho em 1958 e Miguel Genta em 1967 -, a administração do ateliê ficou a cargo dos descendentes até a década de 1980 e 1990, quando a empresa saiu do mercado. 

        Os vidros utilizados na Casa Genta eram quase em sua totalidade importados da Europa, principalmente da Bélgica e da Inglaterra, e apenas mais tarde trazidos a São Paulo, especialmente com o objetivo de oferecer ao público brasileiro o que havia de mais sofisticado no ramo. Além disso, os artistas principais que trabalharam na Casa Genta eram Max Dobmeier, pintor alemão, e Francisco Huguet, desenhista espanhol, ambos trabalharam na execução dos vitrais da Igreja São Pedro em Porto Alegre.

Vitral da Capela da Universidade Católica de Pelotas - Campus II, Pelotas - RS.
Detalhe que mostra assinatura de Francisco Huguet.

 


CASA VEIT

        Outro ateliê de destaque existente no sul do país durante o século XX foi a Casa Veit, fundada por Albert Goodfried Veit. Nascido em 28 de abril de 1865, em Wüttenberg, na Bavária, o artista alemão imigrou para o Brasil em 1913 com sua família, instalando-se no interior do estado do Rio Grande do Sul e, em 1915, na cidade de Porto Alegre. 

        Utilizando-se do seu conhecimento prévio sobre a arte dos vitrais, o artista abriu seu próprio estabelecimento, a Vitraux e Arte Veit, o qual, mais tarde, acompanhado de seus filhos, Albert Josef Georg e Hans, e de seu neto, Albert Veit Hoepf, passa a ser conhecido como Veit e Filho. A administração do atelier foi passada de geração para geração até o falecimento de Hans Veit, em 1970, ocasionando no encerramento das atividades na Casa e no consequente estacionamento da tradição da produção de vitrais na Família Veit.

        Por esse motivo, além da crença de que a família contratasse outros profissionais para o auxílio dos trabalhos, encontra-se pouca documentação sobre o ateliê e uma maior dificuldade de determinar um estilo pictórico para as produções. 

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