Estudos de Caso

            Finalmente, o estudo imersivo do vitral no Modernismo Brasileiro possibilita o entendimento da permanência da arte do vidro na arquitetura moderna do século XX. Para tal, catalogamos e analisamos 10 permanências dessa técnica em diferentes tipologias arquitetônicas no Brasil, sendo quatro pré-modernistas e seis modernistas, atentando-se quanto ao gênero dos vitrais e suas simbologias, iconografias e importâncias históricas. Dessa forma, após o estudo particular de cada caso e da percepção comparativa entre a presença dos vitrais no pré-modernismo e as revivências da técnica no modernismo brasileiro, percebe-se, portanto, o cultivo de motivações e de finalidades referenciadas da Era Gótica-Medieval, esboçando uma linearidade histórico-artística dessa linguagem estética.

EDIFICAÇÕES PRÉ-MODERNISTAS BRASILEIRAS

    Estudo de caso de quatro edificações pré-modernistas brasileiras, datadas de diferentes décadas e pertencentes a diferentes estilos arquitetônicos, mas todas apresentando o vitral em suas composições.



MUSEU DA REPÚBLICA DO RIO DE JANEIRO

Estilo:  Edificação Neoclássica; Vitrais de estilo não identificado.

Período de construção: 1858.

Projeto Arquitetônico: Carl Friedrich Gustav Waehneldt.

Ano de instalação dos Vitrais: 1863.

Autoria Vitrais: Gustav Waehneldt.

Gênero Vitral: Decorativo.

Localização: Rio de Janeiro, RJ.


Vitral da claraboia do Museu da República a partir do hall da escadaria principal, Rio de Janeiro.

        No Museu da República do Rio de Janeiro, podemos encontrar o que pode ser o mais antigo conjunto de vitrais instalado em uma edificação no Rio de Janeiro, no antigo Palácio Nova Friburgo, projetado e construído pelo arquiteto alemão Karl Friedrich Gustav Waehneldt, entre 1858 e 1867, para ser a residência de Antônio Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo. De 1896 até 1960, esse imóvel funcionou como sede da Presidência da República, abrigando, desde então, o Museu da República.

        Na edificação, a partir do hall da escadaria principal (A), é possível observar um grande vitral instalado sob a claraboia (C1). Esse vitral tem origem alemã e é composto por 288 peças, com desenho de autoria do próprio Gustav Waehneldt, sendo montado em novembro de 1863. Sua composição decorativa possui módulos quadrados com motivos geométricos ao centro, cercados de motivos fitomórficos contornados por faixas gregas.

Trecho da planta do segundo pavimento do Museu da República, destacando o hall da escadaria principal “A”, a “Galeria dos Vitrais” “B” e o “Salão Veneziano” “C”, além da marcação do posicionamento dos vitrais: projeção do vitral da claraboia “C1” e vitrais internos “1”, “2”, “3” e “4”.

Já no nível do patamar superior da escadaria, se percebem quatro outros vitrais, (1, 2, 3 e 4) instalados de maneira a serem melhor observados contra a luz que vem da claraboia (C1), possuindo, porém, molduras douradas e trabalhadas para melhor compor a decoração deste hall. Cada vitral é segmentado em três partes no sentido vertical, tendo cada uma um medalhão ao centro. 

Vitrais (3 e 4 no mapa) localizados na “Galeria dos vitrais”, Museu da República, Rio de Janeiro.

As representações desses painéis possuem motivos figurativos representando personagens alegóricos e mitológicos, além de elementos decorativos fitomórficos. As composições apresentam vidros coloridos e vidros pintados de várias cores sobre uma mesma chapa, cujos perfis de chumbo que as une são postos de maneira a não interferir no desenho. O painel central e os arcos são decorados por cenas mitológicas copiadas dos afrescos pintados pelo renascentista italiano Rafael na Villa Farnesiana, em Roma. Os vitrais laterais são de fabricação alemã e retratam musas e outras figuras mitológicas ligadas à ciência e às artes.

Detalhe do vitral “4” -“Galeria dos Vitrais”, Museu da República, Rio de Janeiro.

Porém, os vitrais “1” e “2” possuem a visualização prejudicada por não estarem instalados em vãos abertos. Esses estão dispostos como quadros em uma parede, voltados para a escadaria principal. 

Vitrais sem abertura de luz vistos a partir do patamar superior da escadaria principal do Museu da  República. 

Através  da  incidência  de  luz  direta  é  possível  perceber, nestes vitrais, que a face do  vidro que recebe a pintura esmalte, que normalmente é feita pelo lado interno e contrário à incidência da luz, nesse caso, está voltado para a escada. Ao se observar os painéis detalhadamente, é possível perceber que na base das figuras pintadas existem inscrições em grego, e, embora sejam de difícil visualização, não estão invertidas, sendo voltadas para a leitura do observador posicionado no hall da escada. Tal situação é inversa quando  comparada aos outros dois vitrais, posicionados para serem observados da “Galeria dos Vitrais”, que possuem suas pinturas esmaltadas e sua assinatura voltadas para o lado interno.

Detalhe de vitral com pintura esmaltada “A” evidenciadas pelo reflexo da luz - Galeria dos Vitrais, Museu da República.

Dessa forma, tem-se a possibilidade de que, em algum momento, houve intervenções neste  ambiente, alterando o seu arranjo original, invertendo o posicionamento dos painéis dos  vitrais e vedando os vãos com um grande painel pictórico e uma porta falsa para o lado do  Salão Veneziano.


PALÁCIO DA BOLSA DE CAFÉ, ATUAL MUSEU DO CAFÉ

Estilo: Edificação EcléticaVitrais de estilo eclético.

Período de Construção: Década de 1920.

Projeto Arquitetônico: Jules Mosbi.

Autoria Vitrais: Pintor paulista Benedito Calixto em parceria com a Casa Conrado.

Gênero Vitrais: Histórico.

Localização: Santos, SP.


Vitral na claraboia do Museu do Café, Santos.

Em São Paulo, as lavouras de café cresciam muito e as safras eram escoadas para o porto de Santos, explicando a relevância de uma edificação destinada às negociações do café na cultura daquele tempo. Com o projeto arquitetônico do engenheiro-arquiteto belga Jules Mosbi, foi criado um enorme salão para a prova do café composto por dois painéis pintados ao fundo e, sobre o centro da oval, havia no teto a grande clarabóia de aproximadamente 5m x 20m, composta por um vitral. Assim, essas três obras formam, juntas, um conjunto que conta a história do estado de São Paulo, desde as expedições bandeirantes até o ápice do comércio do café, iniciando-se pelo vitral chamado “A Visão do Anhanguera”, e seguindo pelas duas pinturas, intituladas “A Lavoura e a Abundância” e “A Indústria e o Comércio”.

Clarabóia do salão da Bolsa do Café de Santos: vitral com cartão de Benedito Calixto 1922.

Criado pelo pintor paulista Benedito Calixto em parceria com a Casa Conrado na década de 1920, o vitral consiste em uma clarabóia posicionada estrategicamente no teto do Salão Principal da Bolsa do Café, em Santos, e surgiu a partir do desejo de criar o primeiro vitral tipicamente brasileiro, com as cores e a luminosidade do Brasil, além de simbolizar uma exuberância característica dos trópicos. Devido à sua posição, a obra ilumina e reflete suas cores brilhantes (amarelo quase dourado, vermelho-rubi, laranja, azul cobalto, verdes e âmbares) no chão, que desassociam o vitral da imagem de produto importado, algo puramente europeu, merecendo destaque, também, por ter sido instalado em um tão significativo e importante edifício da época.

Para Conrado Sorgenicht (neto), o vitral da Bolsa do Café é considerado o seu primeiro vitral pela grande significação atrelada ao fato de ser um pintor brasileiro, realizando um tema braileiro e, principalmente, pela luminosidade bem brasileira característica do painel. Ainda, a Casa Conrado afirmou que “este primeiro quadro representa o Cyclo do ouro e das esmeraldas, no período que vae de 1560 a 1728. Foi o tempo dos bandeirantes de coragem inaudita, que se embrenhavam pelo sertão à procura dos thesousos fabulosos de que contavam as lendas [...] dois personagens aparecem à direita do quadro. São elles Bartholomeu Bueno da Silva, appellidado Anhanguera, e seu filho de mesmo nome e, nesse tempo, ainda mancebo." (SORGENICHT, Conrado.)

O vitral descreve o episódio quando Anhanguera, o bandeirante, ateou fogo em uma vasilha com aguardente para impressionar os índios, ameaçando queimar as águas dos rios. Além disso, a vidraria mostra ao centro uma mulher que emerge das águas em chamas, a Mãe do Ouro, ninfa dourada que distribui suas riquezas às náiades e às limoníades, conhecidas por Mães d'Água (mulheres-peixe como as sereias), que se posicionam ao seu redor. Em primeiro plano, há diversos animais da fauna brasileira, sempre relacionados à mitologia nativa, como o ururá e um enorme jacaré de papo amarelo. Ao fundo, o céu e os raios de luz se assemelham a fogos de artifício cruzando o espaço e representam o ouro jorrado das montanhas, que explodem e se comunicam entre si, conforme reza a lenda indígena.

A resolução de questões técnicas, como o recorte do vidro bem arredondado e a definição de sua qualidade, revelaram-se características particulares de Conrado Sorgenicht (filho). O vitralista afirmava que a pintura de Calixto tinha o cunho da veracidade e da autenticidade, que parecia traduzir um sentimento nacionalista, um desejo de contar lendas da terra e de descrever o nosso próprio universo mitológico, ainda que fosse necessário se apropriar de esquemas compositivos do Renascimento Italiano. Um exemplo disso é o próprio vitral do Museu do Café, que se assemelha à obra “O Nascimento de Vênus”, de Sandro Botticelli (1444-1510). Neste quadro, considerado a primeira obra renascentista com tema exclusivamente leigo e mitológico, a deusa emerge das águas bem no centro da composição, com ninfas ao seu redor; as montanhas, o céu, as alegorias e a flora,  aspectos que também se assemelham.

O nascimento de Vênus - Sandro Botticelli - Galleria degli Uffizi, Florença.      
  Cartão de Benedito Calixto para o vitral da Bolsa do Café de Santos “A Visão de Anhanguera”.

Entretanto, o ato de reproduzir uma composição do renascimento europeu e transformá-la numa temática indígena, tipicamente brasileira, não era novidade nem exclusividade de Benedito Calixto. Ao contrário, refletia a tendência entre os pintores do período de buscar por uma identidade nacional, assunto que muitas vezes visitou o ideário artístico brasileiro. Este sentimento nacionalista transmitido pelo vitral estava, portanto, perfeitamente encaixado no contexto da pintura brasileira da época.



CATEDRAL METROPOLITANA DE VITÓRIA 

Estilo: Edifício Neogótico; Vitrais Arte Sacra.

Período de Construção: 1920 - 1970.

Ano de instalação dos vitrais: 1933 - 1943.

Autoria Vitrais: César Alexandre Formenti.

Gênero Vitrais: Político (Propagandista) e Religioso de caráter alegórico.

Localização: Vitória, ES.


Guarda-Vento. Catedral de Vitória, 2008. 

Na Ccatedral Metropolitana de Vitória existem, atualmente, 23 vitrais, dos quais 17 foram instalados entre os anos de 1933 e 1943, dispostos no espaço arquitetônico do templo como resultado de um programa iconográfico pautado em um projeto teológico-político em vigor na primeira metade do século XX. Esses vitrais foram executados pelo Atelier do pintor, vitralista e mosaicista, residente no Rio de Janeiro, César Alexandre Formenti, e estão instalados atualmente na nave (4), no coro (1), no guarda-vento (2), no transepto (6), e no presbitério (4). A disposição atual das peças existe desde a reforma de 1968 e 1974, porém, não é a mesma das décadas de 30 e 40. 

Localização dos vitrais. Catedral de Vitória. Após a década de 1970.

A escolha dos temas encomendados e o local onde foram instalados os vitrais dizem respeito a um pensamento pautado na concepção organicista da sociedade que fomentou princípios de autoridade, hierarquia e unidade social numa conjuntura de instabilidade política que antecedeu o Golpe do Estado Novo no Brasil. A disposição e a visibilidade dos vitrais no interior da catedral, juntamente com a exposição dos nomes dos doadores, emancipam as imagens de uma função apenas religiosa, estando, também, associadas à política. Ainda, interessa destacar que esse conjunto de vitrais da catedral é um exemplo local e nacional da retomada da arte do vitral no Brasil.

Ao observar os vitrais, dispostos dentro do espaço da catedral de uma forma pré-concebida, deve-se perceber as imagens com elementos figurados sacros além dos aspectos visíveis, sendo compreendidas como objetos culturalmente complexos em relação aos seus usos e funções. Essa questão também pressupõe uma preocupação de ordem sócio-político-religiosa, na medida em que tais objetos foram doados por agentes sociais que se presentificam no espaço sagrado da catedral através das inscrições com os seus nomes.

Além disso, os vitrais instalados no Coro/Guarda-Vento foram doados pelo Governo Estadual, e os do altar-mor pela família Vivacqua e De Biase. O fato de o governo ter contribuído para a retomada das obras da catedral nos anos 30 e de ter ofertado, em 1937, um vitral no coro e no guarda-vento com o seu próprio nome, indica intenções relacionadas a um ato político.

  • VITRAL SANTA CECÍLIA

O vitral de Santa Cecília é o maior da Igreja e está numa posição imponente, que o coloca acima de todos os outros vitrais. No entanto, ele é, também, o mais distante dos fiéis, se localizando no coro da Igreja, na parte superior do edifício. A visão da imagem no vitral opera, portanto, em uma duplicidade de distanciamento e magnificência. No Brasil, a devoção a essa santa é comum, com a utilização de sua imagem como uma espécie de cenário para a música sacra, disposta no coro das igrejas. Em geral, a iconografia a representa como uma jovem tocando algum instrumento musical (piano/órgão, alaúde, violoncelo ou harpa), estando só ou acompanhada por anjos.

Vitral de Santa Cecília e os anjos. Detalhe. Catedral de Vitória. 2007.

Na catedral, a santa toca uma harpa e está acompanhada por dois anjos ajoelhados com as mãos no peito, em um gesto de reverência. Os elementos arquitetônicos, como as colunas coríntias em primeiro plano, criam uma ilusão de profundidade. Já na parte superior do vitral, sobre as nuvens, há um concerto celestial composto por um anjo entoando hinos, outro tocando flauta e um terceiro tocando alaúde. Além do número evocar a Trindade, também existe a ideia de uma corte celeste.

Há, ainda, um elemento que une o alto com o baixo, o celestial com o mundano, o divino com o político: três anjos nus, abaixo dos primeiros citados. Sendo intermediários entre o plano celeste e o plano mundano, estão em um espaço triangular, como se fosse um tímpano de um portal que conduz o alto para o baixo e vice-versa. Eles lançam lírios sobre a cabeça de Cecília, que também aparecem caídos no chão em direção à tarja. 

Essa tarja marca o fim e o início do caminho dos lírios lançados pelos anjos. Nesse vitral, então, o nome do doador não está separado da composição, ele faz parte dela, estando em primeiro plano e colocando em destaque a inscrição: “Offerta do Governo do Estado do Espírito Santo – 1937”. Essa posição da inscrição se distingue das demais na própria Catedral e, também, em outros templos.

Detalhe da tarja. Catedral de Vitória. 2008.
     
  • SÃO MIGUEL E ANUNCIAÇÃO

O governo estadual do Espírito Santo doou, também, o guarda-vento com duas imagens, a Anunciação à Virgem Maria e São Miguel Arcanjo, emoldurados pela porta de ferro. A presença do guarda-vento é comum na arquitetura sacra, e pode ou não conter imagens. No caso da catedral, por ser ele composto quase que inteiramente de vidro, ao mesmo tempo em que funciona como protetor ao vento é também uma grande janela que filtra a luz.

O guarda-vento também possui um programa iconográfico bem definido teologicamente. As imagens que compõem o vitral apresentam como temas a Anunciação da Encarnação e uma passagem do Apocalipse, o combate de São Miguel Arcanjo, o que sugere uma síntese do início e do fim, de acordo com a concepção cristã, com ambas simbolizando o pecado sendo vencido. Tal escolha iconográfica reflete bem o contexto político de um país marcado pelo projeto autoritário de Getúlio Vargas, que desejava fazer do catolicismo tradicional e do culto dos símbolos e dos líderes da pátria a base mítica de um Estado Nacional forte e poderoso.

O contexto histórico brasileiro, e especificamente o capixaba, nos anos de 1936 e 1937, é marcado pela repressão aos envolvidos na Intentona Comunista de 1935 e pela ênfase na ordem e na iminente consolidação do processo de centralização do poder, iniciado em 1930. O “inimigo”, naquela conjuntura, era principalmente o perigo do regime comunista. Nessas circunstâncias, o governador Bley doou o guarda-vento à Igreja, objeto cuja função é, ao mesmo tempo, dar proteção e permitir a entrada em um templo católico, evocando a história da salvação. 

Guarda-Vento (180x300cm). Catedral de Vitória. 2008.

 

Por analogia, é possível estabelecer uma relação entre o capitão São Miguel derrotando o mal e Punaro Bley derrotando os inimigos da ordem e da “democracia”, podendo ser visto metaforicamente como um São Miguel, militar, protetor e reconhecido como a autoridade que pode estabelecer a ordem e uma harmonia social. No vitral, um detalhe peculiar é o fato de que, na placa informando o doador do guarda-vento, é o próprio nome do governador que ali figura, diferentemente da tarja do vitral Santa Cecília, que faz referência apenas ao Governo Estadual. Além disso, a inscrição do guarda-vento traz a menção “Capitão Bley”, em uma aproximação simbólica entre o arcanjo guerreiro e o governador.

Detalhe do Guarda-Vento (180x300cm). Catedral de Vitória. 2008.


  • ALTAR

Outro aspecto que merece destaque neste programa diz respeito aos vitrais localizados atrás do altar-mor, doados pela família Vivacqua e de Biase, em 1933. Nesses painéis, a figuração de São José, da Virgem e do Cristo não é uma novidade, com exceção para a representação de Santa Maria Margarida Alacoque. A presença dessa Santa, no entanto, reafirma a coerência do programa iconográfico da Catedral por estar na origem do culto ao Sagrado Coração, o que a relaciona com o altar, lugar do sacrifício. Simbolicamente, a disposição dos vitrais funcionou como uma idealização do real, afinal, as forças políticas estaduais ao longo dos anos 30 foram admitindo João Bley e gradativamente assumiram papel importante na direção do poder político estadual.

Altar-Mor. Catedral de Vitória, 1934. 
Montagem com os vitrais de São José, Santa Margarida e Nossa Senhora da Conceição. Catedral de Vitória. 2008. 
Detalhe da tarja. Catedral de Vitória. 2008.

Tomando a catedral e seus vitrais como uma metáfora do “organismo social”, o bispo Dom Luiz Scortegagna, através de seu discurso na inauguração das obras internas, simbolicamente apresentava a idealização de uma ordem possível do social, onde a Igreja assumiria o papel de pacificadora dos conflitos. Da imaterialidade do gesto de oferecimento  de um dom à materialidade de um nome e de uma data, o observador atual é situado em um determinado tempo e em uma rede de relações sociais muito específicas. Os vitrais não  possuem somente imagens, mas também inscrições, que materializam os nomes e, inclusive, simbolizam a disputa política no Estado entre 1930 e 1937.


PALÁCIO DAS LARANJEIRAS


Estilo: Edifício Eclético; Vitrais de estilo não identificado.

Período de Construção: 1910 - 1913.

Projeto Arquitetônico: Armando Carlos da Silva Telles.

Autoria Vitrais: Atelier de Charles B. Champigneulle; César Formenti; Alberto Magini.

Gênero Vitrais: Mitológico e Floral.

Localização: Rio de Janeiro, RJ.

O Palácio das Laranjeiras, residência oficial dos governadores do Estado do Rio de Janeiro, foi originalmente idealizado para servir de moradia ao casal Branca e Eduardo Guinle e construído entre os anos de 1910 e 1913. O projeto da casa, de estilo eclético, foi assinado pelo arquiteto construtor Armando Carlos da Silva Telles e por sua localização privilegiada, próximo ao Palácio Guanabara, então residência oficial da Presidência da República, e do Palácio do Catete, sede do Poder Executivo Federal, tornou-se uma aquisição de interesse do governo.

Na edificação, encontram-se 3 conjuntos de vitrais de diferentes autores e motivos, sendo um localizado no hall principal, outro na Torre do Belvedere e um último na ala residencial. Em 2013, em contexto dos 100 anos da construção, o Palácio das Laranjeiras passou por uma grande obra de restauro que envolveu o edifício e o complexo de vitrais.

  • VITRAL HALL PRINCIPAL

Localizado na escadaria principal, é o mais importante do conjunto do Palácio, compondo um painel figurativo que representa o mito clássico de “Apolo e seu Carro de Sol”, uma das alegorias mais representativas da cultura greco-romana e uma das referências decorativas prediletas daquela época. Fabricado em 1910, em Paris, pelo atelier de Charles B. Champigneulle, um dos principais vitralistas franceses do início do século XX, possui grandes dimensões (3,00 x 6,80m) e formato retangular, sendo encimado por um arco abatido.

Vitral Apolo e seu Carro de Sol.
Assinatura Ch. Champigneulle no VItral.

Antes de 2013, o vitral apresentava diversas patologias como a corrosão dos perfis de chumbo, a oxidação dos caixilhos de ferro, a deterioração das traves de reforço e dos esmaltes dos vidros, um grande número de vidros quebrados e de restaurações inadequadas realizadas ao longo do tempo. No restauro, o método de trabalho utilizado consistiu na retirada, na desmontagem, e na substituição ou no reaproveitamento dos perfis de chumbo. Além disso, ocorreu a colocação de traves de reforço soldadas para evitar o abaulamento das peças e a substituição dos vidros quebrados e inadequados. Por último, houve a remontagem dos vitrais.

  • TORRE DO BELVEDERE

Na torre do Belvedere e localizado sobre as bandeiras das portas, há dois painéis de 2,00 x 2,50m assinados pela Casa Formenti. Tais vitrais possuem motivos da mitologia clássica, representando figuras conhecidas como Famas, que tocam trombetas rodeadas por guirlandas de flores e frutos.

Vitrais da Torre do Belvedere.

Vitral do torreão do Palácio Laranjeiras (c.1910) executado por Cesar Formenti.

O principal problema de degradação desses vitrais ocorreu nos caixilhos de fixação, com a instalação dos painéis feita pelo interior do edifício e com massa de vidraceiro, diferentemente da consagrada técnica de “massa por fora”. Devido a isso, esse vitral apresenta um defeito original de fixação que gerou dois problemas: vulnerabilidade quanto às infiltrações de água e questões estéticas de acabamento interno. Apesar disso, os vidros estavam bem conservados, embora alguns painéis estivessem abaulados e desalinhados.

A recuperação começou com a retirada, a desmontagem, o acondicionamento e o transporte dos painéis até as oficinas de restauro. Ali, substituiu-se a massa de vidraceiro por silicone de cura alcoólica e os perfis de chumbo, dentre outras intervenções que não exigiram a troca das peças de vidro, que se encontravam em boas condições. Por fim, foi realizada a remontagem dos painéis no local de origem.


  • VITRAIS DA ALA RESIDENCIAL

Confeccionados em 1943 pelo consagrado artista Alberto Magini, os painéis que compõem esses vitrais têm motivos florais, com cercadura em ornatos geométricos, pintura esmaltada a fogo e foram consolidados com ligaduras de chumbo, segundo a técnica tradicional detalhada no século XVI por Giorgio Vasari.

Vitrais da Ala Residencial.


            Esse vitrais se encontravam mais danificados. Estruturados em janelas de madeira, com folhas fixas e móveis, seus painéis sofreram deformações devido às propriedades diferentes dos materiais. Também, ocorreu a corrosão dos perfis de chumbo e das traves de reforço, além de muitos vidros quebrados e faltantes e de restaurações inadequadas realizadas ao longo do tempo.

            Em 2013, a restauração desses vitrais teve como foco principal a substituição dos caixilhos de madeira por novos em alumínio. No processo foram, também, substituídos os perfis de chumbo por traves de reforço soldadas para se evitar o abaulamento das peças. Enfim, foram substituídos os vidros quebrados e inadequados por novos pintados e queimados, conforme o desenho original.


EDIFICAÇÕES MODERNISTAS BRASILEIRAS

Estudo de caso de seis edificações modernistas brasileiras contemplando vitrais modernistas de diferentes autorias e gêneros.


FAAP

Estilo: Edifício Modernista; Vitrais Modernistas.

Período de Construção: 1947 - 1961.

Projeto arquitetônico: Auguste Perret.

Autoria Vitrais: Vários artistas.

Gênero Vitrais: Naturalista abstrato e decorativo.

Localização: São Paulo, SP.


Vitrais da Fundação Armando Alvares Penteado.


Armando Álvares Penteado (1884-1947) frequentou a faculdade de arquitetura na Escola Politécnica e cultivou ao longo de sua trajetória a apreciação, o gosto e a dedicação às artes e ciências. Sua identificação com estas áreas do conhecimento, seus anos de estudo na Europa e, posteriormente, suas constantes temporadas de convivência e participação no meio artístico e cultural de Paris, contornaram e direcionaram o espírito e a atuação vanguardista do fundador da FAAP. Ele e sua esposa Annie, de nacionalidade francesa, desejavam construir juntos uma escola de belas artes em São Paulo, onde deveriam ser administrados cursos de pintura, escultura, decoração e arquitetura.

Anos antes de falecer, ao redigir seu testamento em 23 de abril de 1938, ele deixava expresso seu desejo de criar um museu. Sem descendentes diretos a quem legar seu patrimônio, instruía no documento sua esposa a vender parte de suas propriedades para construir o edifício, que seria a sede de uma escola de artes e abrigaria, também, uma pinacoteca para exposição de quadros originais. A partir dessa vontade, institui-se, em 1947, a Fundação Armando Alvares Penteado.

Anos depois, em 1961, foi inaugurado o Museu de Arte Brasileira com direção e coordenação das atividades a cargo do casal Lúcia e Roberto Pinto de Souza. O MAB foi concebido como um museu de artes visuais, particularizado em arte brasileira produzida por artistas brasileiros ou estrangeiros radicados no Brasil. Atualmente, o acervo conta também com uma coleção de arte estrangeira, atrelada ao programa de atividades da FAAP.

O MAB abriu ao público no dia 10 de agosto de 1961 reunindo cerca de 300 peças entre manifestações de pintura, escultura, ourivesaria, mobiliário, numismática e documentos. A exposição e seus eventos paralelos foram reconhecidos como um acontecimento nacional, comemorativo da cultura brasileira. Ainda hoje, continuam presentes no prédio principal as esculturas moldadas em gesso de Aleijadinho e elementos da arquitetura mineira e baiana, feitos especialmente para a ocasião pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Constituindo-se como o cartão de visitas da FAAP, os dois vitrais que ocupam o hall de entrada do prédio-sede reúne cerca de 59 projetos assinados por artistas consagrados como Lasar Segall, Portinari e Tarsila do Amaral no painel central, enquanto o painel do teto foi encomendado por Pietro Maria Bardi à artista plástica de origem húngara Claudia Andujar. Os vitrais ocupam 350 metros quadrados, sendo 230 m² na escadaria e 126 m² no teto, instalados em 1959-60.

O painel da escadaria é composto de 216 quadros de 103 x 103 cm, dos quais 59 são vitrais artísticos intercalados por vidros leitosos com pintura de "cipó" por Claudia Andujar. No teto, o vitral denominado “Floresta Amazônica” é composto por 121 quadros separados por caixilhos em estrutura de concreto, sendo a representação, segundo a autora, de uma floresta tropical. A idealização original era de desenhar a floresta na claraboia, com os cipós descendo ao fundo. Os painéis foram executados por Conrado Sorgenicht utilizando a técnica medieval de recortar cada vidro colorido em uma área de única cor, unindo cada uma das peças por perfis de chumbo.

Segundo depoimento de Conrado Sorgenicht (filho), foi com uma intenção pedagógica que o prof. Bardi pensou no painel de vitrais implantado no salão de entrada do edifício da Fundação. O grande tema que transparece neste conjunto reflete o desejo de fazer uma mostra permanente de arte brasileira. Ao convidar um artista para criar o vitral, não foi solicitado um tema específico, e sim um cartão representativo de sua produção. A dinâmica adotada era substituir pouco a pouco cada quadrado pelo trabalho de um artista brasileiro, ou radicado no Brasil, o que permitiria um retrato da arte que podia ser constantemente atualizado. 

À medida que os vitrais iam ficando prontos, iam substituindo, parte a parte, um painel de fundo criado por Lina Bo Bardi, auxiliada por Cláudia Andujar. As obras já colocadas permitem a comparação do trabalho de diversos artistas, todos submetidos a um denominador comum: o vitral.

Alguns exemplos mais próximos dos vitrais na FAAP.
Mapa da localização dos vitrais e seus respectivos autores.

Listas de artistas:

A01 - Sérgio Paranhos / A04 - Zacharias Autuori / A06 - Tomie Ohtake / A08 -  Castellane

A09 - Antonio Gomide / A11 - Jacques Douchez / A13 - Frank Schaeffer / A16 - Carybé

A17 - Flávio Teixeira / A20 - Lasar Segall / B03 - Fernando Odriozola / B05 - Claude Friedli 

B08 - Poty Lazzarotto / B09- Renée Sasson / B12- Carlos Oswald / B15- Lina Bo Bardi

B19- Djanira / C01 - Cássio M’Boy / C02 - Di Preti / C04 - Bruno Giorgi / C05 - Carlos Lemos

C07 - Mauro Francini / C09 - Arcangelo Ianelli / C11 - Cláudia Andujar / 

C13 - Noêmia Mourão / C14 - Tarsila do Amaral / C16 - Mário Cravo Jr. 

C17 - Lisa Ficker Hoffmann / C18 - Cláudia Andujar / C20 - Colette Pujol / D03- Kudjoene

D06 - Aldemir Martins / D07- Ionaldo Cavalcanti / D08 - Fernando Lemos / D09 - John Graz 

D10 - Lula Cardoso Ayres / D11 - Darcy Penteado / D12 - Genaro de Carvalho 

D13 - Antonio Bandeira / D14 - Aluisio Rocha Leão / D15 - Cândido Portinari

D19 - Marina Caram / E05 - Regina Graz / E07 - Giselda Leirner

E09 - Aldir Mendes de Souza / E10 - José Moraes / E11 - Pietro Maria Bardi 

E12 - Arcangelo Ianelli / E14 - Samson Flexor / F01 - Pietro Maria Bardi

F08 - Daniel Sasson / F09 - Henrique Boese / F12 - Fulvio Pennacchi 

F13 - Yolanda Mohalyi / G04 - Augusto Barbosa / G17 - Humberto Poletti

H01 - Zenon Barreto / H06 - Leonardo Neubauer / H20 - Vera Bocayuva Mindlin 


CÂMARA MORTUÁRIA DO MEMORIAL JK 


Estilo: Edifício Modernista; Vitral Modernista.

Período de Construção: 1980 - 1981.

Projeto arquitetônico: Oscar Niemeyer.

Autoria Vitrais: Marianne Peretti.

Gênero Vitrais: Alegórico.

Localização: Brasília, DF.


Vitral no teto da câmara mortuária do Memorial JK, Brasília.

            O Memorial JK é uma instituição museológica que apresenta a História do Brasil do tempo em que Juscelino Kubitscheck de Oliveira, conhecido como JK, era Presidente da República, quando foi iniciada a construção de Brasília, a nova capital do Brasil. No mausoléu, há um vitral de 4,50 metros de diâmetro, em acrílico, desenhado pela artista Marianne Peretti sobre a câmara mortuária, onde a luz natural cria um efeito de tons diferentes de acordo com a posição do Sol. A obra levou 17 meses e foi finalmente inaugurada em 12 de setembro de 1981.

Câmara mortuária do memorial JK vista de fora.

            O vitral em questão é um círculo composto por recortes de vidros transparente e coloridos nos tons de roxo e vermelho, que inundam o ambiente com uma luz avermelhada. Contornados por estruturas metálicas em preto, os recortes criam formas orgânicas que, com certo agrupamento, formam ao centro a representação de uma forma humana, semelhante ao sexo feminino, de cabelos curtos, vestido esvoaçante e asas que partem das costas. A figura se dispõe flutuante e na horizontal, segurando um objeto circular composto de folhas naturais. Os recortes coloridos são dispostos com certa organização, não misturando as cores de forma intercalada e formando faixas únicas que ocupam o espaço de maneira fluida.

           Interpretados seguindo a cultura ocidental brasileira do local em que a obra se insere e da origem da artista criadora, é possível ler a figura humana como um anjo que flutua no ar sobre o túmulo de JK, segurando uma coroa de louros. Simbolicamente, o anjo, segundo a Igreja Católica Apostólica Romana, é uma criatura espiritual que habita os céus e tem a função de mensageiro entre Deus e os seres humanos. Já a coroa de louros simboliza, desde o Império Romano, a vitória e a conquista, servindo, na época, como uma distinção concedida a um general vitorioso em triunfo apoteótico.

            A cor roxa está relacionada ao misticismo e à espiritualidade, transmitindo a sensação de tristeza e introspecção. Para os católicos, a cor representa a melancolia e a penitência, sendo uma das cores litúrgicas na Igreja Católica, utilizada durante a Quaresma e em missas que celebram os mortos. O vermelho, cor quente, é ligado à paixão, ao poder e à guerra, associado ao sangue, à carne e ao coração humano. Na política, essa cor é interligada ao espírito revolucionário, ao Comunismo e ao idealismo político de esquerda. Para o catolicismo, significa o martírio de Cristo e dos Santos Mártires.

        Partindo dessa análise visual, a colocação de tal imagem em um ambiente que homenageia JK, vangloriado e comumente admirado ex-presidente brasileiro, considerado oficialmente um herói do Brasil após ter seu nome inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, afirma esse status heróico pela presença da coroa de louros. Ao se atentar para o fato de o vitral se situar logo acima do túmulo de Kubitschek, a figura do anjo associa o homem à presença divina após a sua morte. O uso da cor roxa, percebida de forma mais discreta, simboliza o luto relacionado à sua morte, enquanto o vermelho irradia e ilumina todo espaço de forma dominante, ressaltando a força política de JK.


CATEDRAL METROPOLITANA NOSSA SENHORA APARECIDA - CATEDRAL DE BRASÍLIA


Estilo: Edificação Modernista; Vitrais Modernistas.

Período de Construção: 1959 - 1970.

Projeto Arquitetônico: Oscar Niemeyer.

Ano de instalação dos Vitrais: 1990.

Autoria Vitrais: Marianne Peretti.

Gênero Vitrais: Abstrato com analogia.

Localização: Brasília, DF.


Localizada na capital brasileira de Brasília, a Catedral Metropolitana foi projetada pelo arquiteto modernista Oscar Niemeyer, com suas obras se iniciando no dia 12 de setembro de 1958. Em 1960, sua estrutura, calculada pelo engenheiro Joaquim Cardoso, foi finalizada, constituindo-se apenas da área circular de 70 metros de diâmetro e das 16 colunas de concreto que se elevam (pilares de secção parabólica) num formato hiperboloide, pesando 90 toneladas. Em 31 de maio de 1970, a Catedral foi inaugurada, possuindo apenas os vidros externos transparentes, uma estratégia escolhida pelo arquiteto para iluminar o espaço com luz natural. 


Vista aérea do exterior da Catedral.


Na praça de acesso ao templo, encontram-se quatro esculturas em bronze com três metros de altura, representando os quatro evangelistas, de autoria de Alfredo Ceschiatti com a colaboração de Dante Croce. O batistério, em forma ovoide, tem suas paredes compostas por um painel de lajotas cerâmicas pintadas em 1977 por Athos Bulcão, e o campanário é constituído por quatro grandes sinos doados pela Espanha, completando o conjunto arquitetônico. 


Já no interior da nave, com pé direito de 40 metros e piso de mármore Carrara, encontram-se as esculturas de três anjos suspensos por cabos de aço com dimensões e pesos de 2,22 m de comprimento e 100 kg, a menor, 3,40 m de comprimento e 200 kg, a média, e 4,25 m de comprimento e 300 kg a maior. O altar da Catedral foi doado pelo papa Paulo VI e a imagem da padroeira Nossa Senhora Aparecida constitui-se de uma réplica da original que se encontra em Aparecida do Norte – São Paulo. Ainda, a Via Sacra é uma obra de Di Cavalcanti e, na entrada do edifício, encontra-se um pilar com passagens da vida de Maria, mãe de Jesus, pintados por Athos Bulcão.


Sobre a construção, o arquiteto afirmou:


“Pensei que a catedral pudesse refletir, como uma grande escultura, uma ideia religiosa, um momento de oração, por exemplo. Projetei-a circular, com colunas curvas, que se elevam para o céu, como um gesto de reclamo e comunicação.”


Posteriormente, em 1990, o teto da edificação recebeu os vitrais coloridos de Marianne Peretti. A cobertura da nave se forma, então, a partir de um enorme painel de vitral com extensão de 2000 m² formado por 16 peças triangulares com 10 metros de base e 30 metros de altura, projetado pela artista franco-brasileira. Ao todo, os painéis contam com 36 mil pedaços de fibra de vidro nos tons de azul, verde, branco e marrom, unidos por liga de chumbo e assentados em caixilhos de aço, alocados entre os pilares de concreto de madeira a formar o teto da Catedral. As cores dentro da igreja variam, graças aos vitrais enormes, conforme a altura do dia, permitindo que haja uma experiência sinestésica.

Vitrais da Catedral Metropolitana de Brasília.

A relação entre a natureza e a paisagem com os vitrais de Marianne é estabelecida pela linear similaridade entre os dois, sendo baseada, em outras palavras, na abstração da natureza, combinando o artificial com o natural. Na Catedral de Nossa Senhora, com exceção do “ovo” centrado sobre o altar, o vitral consiste no uso de formas que se assemelham a fitas sinuosas azuis, verdes e brancas, traçando um paralelo entre a forma azul ondulada e o Lago Paranoá, localizado às margens de Brasília. 

A “fita” azul que corre por toda a extensão da Catedral, se estende pelos dois lados partindo de um ponto central e, assim como o lago eventualmente acaba e se torna terra, a forma azul termina quando suas bordam encontram formas maiores. Essa leitura da figura azul ondulada como representativa do movimento da água, é confirmada pelo efeito visual no interior do edifício originado pela passagem da luz através do vitral. Se o azul representa a água, e o céu é presente por meio do vidro transparente, o verde deve ser a abstração da terra brasileira. Dentro dessa análise visual da Catedral como a abstração da paisagem brasileira, a figura do “ovo” central no painel pode ser interpretada como um marco para o nascimento de Brasília como uma nova nação moderna.

Essa análise é, ainda, destacada por dois elementos arquiteturais. O primeiro são as luzes externas postas ao redor da catedral, o que, junto com a transparência do vidro, permite que o trabalho de Peretti se expanda para o exterior e possa ser visto durante a noite. Dessa forma, mesmo quando o edifício está fechado, a imagem desse novo Brasil que surge na paisagem local é projetada e se torna parte do ambiente da Catedral. O segundo elemento é a rampa de entrada desenhada por Niemeyer, na qual os visitantes descem para acessar o edifício, adentrando num ambiente imersivo descrito como uma situação de gravidade zero entre paraíso e terra.

Vista do exterior da Catedral pela noite.

Sobre a técnica do vitral, as peças originais da Catedral foram fabricadas de modo artesanal em vidro de sopro e apresentavam grande diferenças de espessura na mesma peça, razão pela qual o desenho assumia diferentes tonalidades. Tal fator, unido às altas temperaturas no interior da catedral, causava tensões internas de expansão e retração dos vidros que acarretavam na quebra espontânea das peças, como investigado em julho de 2009, quando medições de temperatura foram realizadas num mesmo ponto de um vidro, registrando temperaturas mínimas de 15°C e máximas de 68°C em intervalos inferiores a 12 horas. Devido a isso, o painel de vitrais precisou ser substituído.

Entre os anos de 2009 e 2012, a Igreja recebeu uma ampla reforma de restauro que solucionou o problema das altas temperaturas causado pelos vitrais. As novas placas de vidros coloridos que compõem o atual vitral da Catedral foram fabricadas na Alemanha com tecnologia que garante a uniformidade na espessura de cada peça, sem perder a variedade das tonalidades criadas originalmente pela artista. Essas peças foram então enviadas a um ateliê no Rio de Janeiro, que realizou o corte e a montagem dos painéis, formando o desenho artístico de Marianne Peretti. 

Finalizando a restauração da edificação, ocorreram a instalação de novos vidros externos com melhor desempenho térmico, a colocação de um novo sistema de acionamento eletromagnético dos sinos, o polimento de todo o mármore de carrara, a pintura interna e externa, a restauração das obras de arte da nave, a higienização das três esculturas dos anjos, a substituição dos cabos de aço que sustentam as três esculturas dos anjos e a modernização do seu sistema de fixação.

Dessa forma, entende-se como a arquitetura moderna brasileira de Niemeyer demonstra como as produções artísticas tradicionalmente religiosas, como o vitral e a tapeçaria, foram alteradas para se encaixar em uma sociedade moderna inspirados em localismos brasileiros da década de 20, ao contar com a colaboração de artistas locais, como Marianne Peretti, que contribuiu para o desejo nacional por pluralismo religioso. Seguindo esses princípios de liberdade religiosa, havia o desejo por parte de Ernesto Silva, importante personagem da história da capital brasileira, de fazer da Catedral um espaço para todas as fés. Guiada por esses ideais, os vitrais de Peretti para a Catedral de Brasília distanciam-se do uso tradicional do vidro em edifícios religiosos ao basear-se na paisagem local e optar pelo uso de formas orgânicas, criando uma nova linguagem de se trabalhar os vitrais.



BASÍLICA DO DIVINO PAI ETERNO


Estilo: Edifício Moderno; Vitrais Arte-Sacra.

Período de Construção: 1957-1974.

Projeto Arquitetônico: -

Autoria Vitrais: -

Gênero dos Vitrais: Religioso.

Localização: Trindade, GO.  

A Basílica do Divino Pai Eterno, conhecida também por Basílica de Trindade, é uma Igreja e Santuário Católico localizado em Goiás. A edificação de estilo moderno é composta por 59 vitrais distribuídos pelo corpo da Igreja representando a fé explicitamente por meio de passagens bíblicas, de histórias de devoção e de graças alcançadas. Assim como na antiguidade, tais imagens são utilizadas para demonstrar aos fiéis histórias de fé e, em cada um dos painéis, doados pelos devotos, há a simbolização da graça divina por meio de uma pluralidade de cenas e cores.

Outro aspecto que se destaca na formação dos vitrais é a adequação das cores em relação a penetração da luz solar e o uso abundante das cores primárias, adotando-se o azul como uma referência de fundo, o amarelo e o dourado. Além disso, é possível perceber, nas representações de certos vitrais, a inserção da figura de Deus, como observado em três painéis localizados sobre uma das entradas da Basílica. O primeiro vitral configura Deus e Adão, o primeiro homem representando a sociedade. Já o vitral central representa a figura de Noé, a arca, e o arco da aliança-deus que cria e recria a humanidade. Por fim, o terceiro vitral simboliza a confiança de Abraão na palavra do senhor.

Vitrais acima de uma das entradas da Basílica do Divino Pai Eterno, Goiás.

Ademais, a representação de milagres e a apropriação de temas dos ex-votos em alguns dos vitrais do Santuário reflete uma reaplicação de uma antiga prática centenária, a tentativa de controle do imaginário. Na retomada dessa prática de composição tradicional do ex-voto, a cena do milagre traz a figura do santo com símbolos da ação miraculosa advinda do céu, não adotando, apenas, o nome do agraciado nos painéis.

Observando-se um dos painéis, representando o ex-voto, datado de 1946, em que Luzia de Souza recebia a Graça Divina ao ser salva de um incêndio provocado por uma lamparina de querosene, destacam-se as similaridades e as alterações com relação ao ex-voto original e à sua posterior representação no painel de vitral. Na primeira representação do milagre, o esboço do corpo e do rosto da criança transparecem uma idade mais avançada e não infantil, fato que se relaciona com a característica dos ex-votos de funcionar como uma lembrança da graça obtida e do agraciado. Além disso, o desenho não contempla a representação de santos, diferentemente do vitral.

Vitral da Basílica de Trindade, à esquerda, e Quadro da sala dos milagres de Trindade, à direita.

Também, há uma inovação no vitral quanto a aparição da figura materna da agraciada, significando uma possível transformação na concepção do artefato de memória, em que entende-se a importância da lembrança de quem recebeu a graça e do santo que a concebeu, porém não somente desses. Além disso, indaga-se sobre as vestimentas representadas em cada um deles, seguindo padrões de época. 

Já analisando-se outro ex-voto, identifica-se a representação de uma onça-pintada dominando a figura de um homem. No vitral, a presença do “Divino Pai Eterno” é consolidada e percebe-se uma significativa elaboração na vestimenta da figura masculina, adequando-se à condição social - um fazendeiro no ano de 1914 - do agraciado, enquanto o homem do desenho original se assemelha a homens humildes do sertão brasileiro. 

Vitral da Basílica de Trindade, à esquerda, e Quadro da sala dos milagres de Trindade, à direita.

Assim, entende-se a importante função catequizadora existente nos ex-votos, servindo como um espelho da sociedade e de sua religiosidade. Diante dessas imagens, o fiel assimila os benefícios da fé, e, na Basílica do Divino Pai Eterno, os vitrais modernizam a representação do milagre.


CATEDRAL METROPOLITANA DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO

Estilo: Edifício Modernista; Vitrais Arte Sacra.

Período de construção: - 1971.

Projeto arquitetônico:  Edgar de Oliveira da Fonseca.

Autoria Vitrais: Lorenz Heilmair

Gênero dos Vitrais: Religioso.

Localização: Rio de Janeiro, RJ.


Apesar de não apresentar externamente características arquitetônicas tradicionais de Igrejas Católicas, a Catedral Metropolitana de São Sebastião do Rio de Janeiro possui a cruz como seu símbolo máximo. Medindo externamente 75 metros de altura e 64 metros de altura internamente, com 106 metros de diâmetro externo e 96 metros de diâmetro interno, a Catedral ainda conta com quatro colunas de vitrais, cada uma apresentando dimensões de 64,50 x 17,80 x 9,60 metros. 


Vitrais da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro.

Vitrais e teto da Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro. 


Na edificação, os quatros vitrais cimentados produzidos pelo artista plástico, vitralista e vidreiro Lorenz Heilmair, estão posicionados de acordo com os pontos cardeais e algumas análises apontam que, simbolicamente, eles são como uma extensão da cruz, através dos quais a benção de Deus desce para vir de encontro aos fiéis. Somado a isso, eles reafirmam o propósito da Catedral, pois representam as Quatro Características da Igreja: Una, Santa, Católica e Apostólica.


Una, na cor verde, representa os elementos de unidade da igreja. No vitral, vemos o pastor e suas ovelhas, a Bíblia e a tiara papal, representando um governo, além do cálice, representando um culto. Santa, na cor vermelha, diz respeito a duas qualidades da Igreja: ela é santificada e santificante. Seu vitral ilustra um grupo de santos, a coroa de espinhos e as línguas de fogo do Espírito Santo. Católica, na cor azul, refere-se à missão da Igreja de salvar os homens, já que, segundo o Dicionário Teológico, o termo “católico” pode ser traduzido pela expressão “na direção de todos”, “para todos”. Nesse vitral, estão representadas diversas pessoas, os símbolos dos quatro evangelistas (Mateus, Lucas, Marcos e João) e o globo terrestre. E, por fim, Apostólica, na cor amarela, alude à hierarquia da Igreja Católica. Jesus, representante de Deus, envia seus discípulos que provêem os testemunhos apostólicos que baseiam a doutrina católica, enquanto a comunidade eclesial deve transmiti-los às próximas gerações. Ainda, esse vitral nos mostra o Bispo, o Papa e São Pedro, bem como os símbolos da Paixão: lança, cravos, esponja, cruz e mortalha.

Detalhe do vitral leste da Catedral Metropolitana de São Sebastião do Rio de Janeiro. Assinatura localizada no vitral oeste.



SANTUÁRIO DOM BOSCO


Estilo: Edifício Modernista com referências góticas; Vitrais Modernistas.

Período de Construção: 1963 - 1970.

Projeto arquitetônico: Carlos Alberto Naves.

Autoria Vitrais: Cláudio Naves / Hubert Van Doorne.

Gênero dos Vitrais: Decorativo.

Localização: Brasília, DF.


Inaugurado em 1970, em homenagem ao co-padroeiro de Brasília, São João Belchior Bosco, O Santuário Dom Bosco é uma das igrejas mais conhecidas de Brasília e sua construção surpreende pela beleza imponente das colunas góticas e dos vitrais, que remetem ao céu estrelado.


Vitrais do Santuário Dom Bosco.


As paredes da edificação são formadas por 80 colunas com mais de 15 metros de altura e, entre as estruturas, estão 2,2 mil m² de vitrais. A maioria combina 12 tonalidades de azul com pontilhado branco, que partem de tons claros num suave degradê, até atingirem tons mais escuros. Em cada um dos quatro ângulos do Santuário, uma coluna de vitrais róseos complementa a suavidade do local. Essa combinação róseo-azul cria um ambiente de mistério interior semelhante ao das basílicas orientais. Apesar de poucas informações encontradas, têm-se conhecimento de que os painéis foram projetados pelo arquiteto brasileiro Cláudio Naves, e fabricados, em São Paulo, pelo artista e vidraceiro belga Hubert Van Doorne.


Detalhes do teto e vitrais do Santuário Dom Bosco.



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